segunda-feira, 2 de maio de 2011

Era uma vez...

A pequena e delicada mão agitava a fina colher em furiosos movimentos circulares. O barulho ritimado da prata em contato com a fina porcelana branca da xícara de asa dourada profanava o silêncio, solene e vazio, do luxuoso salão entulhado de quinquilharias brilhantes e douradas.
O contato do açúcar com o chá fumegante exalou um aroma um tanto enjoativo de jasmim. A jovem, coroa na cabeça e pele muito branca, seguia seu mecânico ritual, absorta em pensamentos e mágoas. Ignorando a íntima plateia, resmungava:

_Não gostei. Não gostei e não gostei! Quem essa lambisgóia pensa que é? Princesa não é. Nunca será! Não de verdade. Não como nós – só então ergueu os olhos, lembrando-se onde estava.

À mesa, as três jovens senhoras, finamente vestidas e igualmente de cabeças ornamentadas por coroas, dividiam a atenção entre o chilique contido daquela criatura alva feito e um fantasma e o espelho centralizado na parede.

_Mas essa imagem está uma porcaria. Ô Bruxa Malvada, largue de fofocar com Madrasta e a Malévola e vem aqui ajustar a sintonia desta velharia - disse a branca, entre mandona e aborrecida.

_Falei para comprar uma TV LED Full HD, mas ninguém me escuta nessa biboca - interrompeu a outra, a quinta pessoa na sala. Longe das quatro princesas, à mesa para o chá da tarde, se acomodava num canto menos iluminado da sala e se entretia com palavras cruzadas.

Pisando duro, a bruxa Malvada, sem escolha senão obedecer, irrompeu da cozinha sem tirar o avental roto e sujo. Passou pelas mulheres pomposamente sentadas sem virar o pescoço, como se não estivessem lá. Ao se aproximar do espelho, velho companheiro de dias melhores (ou seriam piores?), lascou um tapa, daqueles dados em TV velha e com Bombril na antena, para acabar com os chuviscos de estática. Sequer olhou para checar o resultado. Girou nos calcanhares e voltou para a ala dos criados amaldiçoando o dia em que retiraram o naco e maça envenenada daquela branquela metidinha a poliana.

_Dá para tentar outro canal pelo menos?, berrou Branca de Neve, sem obter resposta.
Cinderala e sua eterna mania de limpeza reparava mais na poeira dos móveis que na imagem do espelho quando Rapunzel a cutucou.

_Vamos começar logo!

A ex-Gata Borralheira tirou o pomposo livro de seu descanso, abriu, sacou a pena e inqueriu Branca de Neve com um olhar.

_Muito bem. Declaro aberta mais uma reunião do Clube das Princesas Encantadas. Data: 29 de abril de 2011. Assunto: Admissão de Catherine Middleton...

_Ei, pare com essa frescura, é Kate e pronto, ralhou a outra, sem levantar os olhos das palavras cruzadas.

_Calada, não interrompa a presidente no meio de um ato solene! Eu devia estar de pileque quando aprovei essa aí como sócia - resmungou Branca - Bem, continuando. Assunto: Admissão de Catherine Middleton no quadro de associados. Veredito: negado. Ponto, mais chá menin...

Sequer terminou a frase e os protestos das outras três soaram mais impiedosos que a última das doze badaladas que ainda visitaram os pesadelos de Cinderela. Bela Adormecida não se segurou. Deu um soco na mesa e explodiu:
Escuta aqui, seu projeto de mal acabado de miss conto de fadas 1937. Eu não durmo há décadas, estou de saco cheio e na TPM, nem me venha com essa. Aqui não é a cabana dos sete anões e a senhora não manda. Vamos votar!

_Eu avisei para ela não ficar cheirando aquele negócio branco. Avisei que ela ia ficar ligadona, mas ela disse que queria tirar o atraso depois de tanto tempo dormindo... olha no que deu - cochichou Rapunzel para Cinderela.

_Vaca cabeluda! Cala essa tua boca senão eu vou cortar a sua língua junto com esse seu cabelão ensebado - vociferou a agora não tão bela, muito menos adormecida.
Rapunzel afundou na poltrona de veludo vermelho e, no momento em que Cinderela soltava um grito de CHEEEGAAA!!!!, Malévola, transmutada em dragão, irrompeu sala adentro baforando uma fumaça pestilenta e, falando entre uma fungada e outra, amaçou:

_Se as princesinhas não acabarem logo com essa baixaria, vamos servir churrasquinho de mocreia no espeto.

Falou, voltou à forma humana e resmungou baixinho com as colegas na cozinha, não basta todas nós termos que ficar de empregadinha dessas patricinhas, ainda temos que aguentar esse tipo de barraco.
A outra, imóvel em sua cadeira de madeira sem estofado, pés apoiados em um puff, ergueu os olhos do jornal. Não estava conseguindo se concentrar com tanto barulho.

_Falta muito pra servir o rango e a gente se mandar?
Ninguém respondeu.

Sem alternativa, Branca de Neve soltou um suspiro e abriu a votação. E para sua profunda frustração, deu empate. Ela e Cinderela votaram contra a recém empossada esposa do principezinho britânico. Rapunzel e Bela Adormecida votaram a favor, e a última fez isso apenas para ser do contra.
O estatuto do Clube das Princesas Encantadas, lembrou a presidente, exigia defesa de ambas as partes até que um veredito prevalecesse. Branca, querendo parecer magnânima e benevolente, cedeu a vez, que lhe cabia por direito como presidente. Rapunzel, então, tomou a palavra.

_Acredito que Kate...

_ Catherine - interveio a chefe – vamos manter o protocolo, por favor.

_Tá bom, tá bom! Catherine – disse o nome reforçando cada sílaba - deve ser admitida como uma Encantada porque é tudo que uma princesa deve ser: linda, meiga, graciosa, elegante, discreta. Ah, ela é uma gracinha e casou com um belo príncipe. Convenhamos, gostosão esse William.

_Gostosão agora, né? Passa lá no meu castelo e dá uma olhada no pançudo peidorreiro do meu marido. Felizes para sempre uma ova! Nem em conto de fadas esses trastes prestam. Chegam em um cavalo branco, enganam a gente com um beijinho e aí já foi, o resto da vida nessa merd... - Bela Adormecida se conteve, afinal, uma dama é sempre uma dama. Quem ainda acredita nesse tipo de besteira? – pensou quase em voz alta.

_Ei, de que lado você está? – questiounou Rapunzel.

_Argumentos expostos, aliás, bem fraquinhos, vamos aos fatos – disse Cinderala ao se levantar e pedir licença à Branca de Neve para tomar a palavra – Essa garotinha não merece entrar para o nosso diletíssimo clube porque, primeiro, é uma plebéia, segundo, é uma fabricação da mídia...

Rapunzel espumou.

_Parece que, se não me engano, a senhora só casou com um príncipe porque tinha uma fada madrinha, um pé tamanho 33 e, halooo!, Todas nós somos fabricadas pela mídia. Aliás, o seu desenho não entrou em cartaz em 1950, está encalhado no DVD e nem saiu em Blu-Ray ainda?

Fim do diálogo. Cinderela agarrou os cabelos de Rapunzel para tentar um estrangulamento capilar. Bela Adormedica, com sangue nos olhos, arrancou o espelho mágico da parede, ainda refletindo as imagens do casamento na Inglaterra, segundos antes do esperado beijo dos noivos, e quebrou na cabeça da Branca de Neve. Vários, socos, pontapés e vestidos rasgados depois, estavam as quatro no chão, exaustas.

_Puxa, não me lembro de um bafafá assim desde que a Paris Hilton enviou uma ficha de filiação – disse a madrasta com um sorriso malicioso, compartilhado por suas colegas, todas intimamente relembrando os bons e velhos tempos de maldades.

Em meio a sala parcialmente destruída, agora imunda com restos de salgadinhos e pedaços de bolo misturados a candelabros e bibelôs, começaram a se levantar, ajeitar as roupas, cabelos e coroas, além de arrumar as cadeiras para retomaram seus lugares.

_Veredito? – perguntou a presidente, como se absolutamente nada tivesse ocorrido.
Ninguém separou os lábios.

No canto menos iluminado da sala, um vulto se levanta. Enorme em relação as outras quatro mirradas figuras, suspira, roda a maçaneta com as mãos enormes e se vai com um fui.

_Fiona!!!!! Gritam em uníssono.
Tarde demais.

Branca de Neve se contorce em uma careta e, vermelha como a maça enfeitiçada, lamenta.

_Putz, ela poderia ter sido o Voto de Minerva – em seguida dá de ombros e abre um sorriso – Mais chá, queridas?

segunda-feira, 14 de junho de 2010

A (quase) maldição da Jabulani

Pode um beijo salvar uma nação?
Um beijo marca. Seja ele inocente, atrevido, molhado, paterno, roubado, escondido, violento ou suave, jamais passará incólume.
Um ósculo de Judas entregou Jesus aos inimigos que o levariam a morrer na cruz. Selou a despedida de Romeu e Julieta antes do mergulho nas sombras do suicídio na imortal obra de William Shakespeare. Despertou Branca de Neve. Transformou a foto de um marinheiro e uma enfermeira, em Nova Iorque, em 1945, em uma das imagens mais marcantes do pós-guerra.
Um beijo pode muito. E pode, sim, ter salvo o Brasil, o país do futebol, em 2010.
Quando tocou os lábios em uma bola de futebol, Kaká, meia da Seleção Brasileira, anulou um plano de vingança, o que, muito tempo depois, viria a ser conhecido como a maldição da Jabulani. Após receber críticas, do goleiro Julio César ao atacante Luis Fabiano, a bola nascida para brilhar na Copa do Mundo da África do Sul arquitetara seu plano maligno contra os detratores. E os resultados prometiam ser devastadores...
Antes, porém, de prosseguir, cabe uma explicação sobre bolas de futebol. Ninguém sabe ao certo como começou, se por um capricho dos deuses do futebol, alguma mandinga baiana ou mutação gerada ao longo dos anos e chutes. Fato é que as gorducinhas (aliás, elas adoram ser chamadas assim e quase murcharam quando Osmar Santos deixou de narrar jogos) têm uma sensibilidade, digamos, bastante peculiar. Não se incomodam de ser chutadas. Sabem ter nascido para ser parte do espetáculo e se orgulham ao ouvir denominações como ‘jogo de bola’, ‘bater uma bolinha’, entre tantas outras citações diretas.
Mas não se engane. Existem chutes e chutes. E ninguém melhor que uma bola de futebol para saber essa diferença. Uma batida de chapa, de peito de pé, de trivela, faz como cócegas em sua pele encouraçada. Sentem um prazer único ao viajar pelo ar em direção ao gol, em um passe perfeito ou rolando de pé em pé pelo gramado como em um tapete vermelho. Agora, quando levam um bicão... nem é preciso estender o comentário.
Diferente de suas irmãs, como as destinadas a esportes como vôlei, tênis, golfe, basquete, boliche e outras parentas, as bolas boleiras são verdadeiras estrelas planetárias e sabem muito bem disso. Estabelecem uma relação de cumplicidade com os craques, homens dotados do divino dom de transformar um chute potente em um afago, de mandá-las onde quiserem como se as colocassem com as mãos.
E é exatamente nesse ponto, nessa cumplicidade, ou falta dela, que elas se manifestam.
Não pergunte como, mas as bolas de futebol têm vontade própria e aprenderam a gozar de certa liberdade de movimentos. São seres inanimados? São. Mas, acredite se quiser, sabem como se mexer. Milimetricamente, é verdade, mas se movem. Como? Só Deus, ou os deuses do futebol, o sabem. Talvez daqui a alguns anos, os estudos sobre as nano partículas encontrem alguma explicação. Eu duvido.
Parece coisa de outro mundo, assombração ou feitiçaria, eu bem sei, mas contra fatos não há argumentos. Não é o que diz a sabedoria popular? Vamos a eles.
Jogadores como Ronaldinho Gaúcho, Lionel Messi, Zico, Maradona, Platini e, óbvio, Pelé, entre outros craques parecem ter a bola grudada aos pés. O resultado enche os olhos. Passes de precisão cirúrgica, cruzamentos na medida, dribles inacreditáveis e chutes indefensáveis. Méritos deles, óbvio, mas sempre com uma sutil colaboração de suas queridas musas, estas perdidamente apaixonadas por seus artistas.
Por outro lado, e sempre há um outro lado, detestam pernetas, caneleiros e os famigerados beques de fazenda. Para eles, jamais se oferecem como aos seus amantes. Não raro sua repulsa colabora para a ruindade dos perebas. Se colam nos craques, fazem o máximo esforço para desviar a trajetória dos pernas de pau e esses imperceptíveis movimentos podem transformar um chute, normalmente uma bicuda, ruim em uma monumental tragédia.
Entender a diferença da relação de uma bola de futebol entre um craque e um perneta é simples. Complicado é notar as nuances de amor e ódio com certos jogadores. O melhor exemplo, especialmente para nós, brasileiros, flutua na doce lembrança no tetracampeonato de 1994. Roberto Baggio acomoda a bola com aparente carinho na marca do pênalti, ajeita como quem deposita um bebê em seu berço. Se afasta alguns passos para, em instantes, correr de volta para desferir seu chute na cobrança do pênalti...
O resto é história.
O que pouquíssima gente sabe é que na fração de segundos entre a última passada e o golpe que deveria ser fatal, a bola se moveu alguns centímetros acima do solo, apenas o suficiente para o pé do italiano entrar muito embaixo do correto ponto de contato e fazer com que ela subisse demais, passando longe do gol de Taffarel como foguete em processo de decolagem. Foi a vingança de uma bola em nome de todas as suas irmãs. Por que? Sentiam-se humilhadas pelo jeito como eram tratadas por Baggio e alguns de seus companheiros. Entre os maus tratos recebidos, detestavam demais servir de cadeira para os italianos. Baggio, negará, se perguntado, mas costumava sentar nelas a qualquer momento do treino, sem o menor respeito.
Na final da Copa de 1994 ele descobriu que nada permanece impune ante a uma bola recheada de fúria.
Ah! Tem também o fato de a final ter sido contra o Brasil. E toda bola de futebol adora os jogadores brasileiros. Até os não tão bons assim (não existe brasuca ruim de bola) fazem de tudo para jogar o melhor que podem, e elas valorizam esse esforço.
Nessa altura alguém pode perguntar, mas e a Copa de 1998? E a derrota para a França? Basta dizer um nome: Zidane. Que bola não adoraria aquela elegante habilidade do francês. Ela não se intrometeu naquela final. Ganhou quem jogou melhor.
Voltemos a 2010 e a Jabulani. De todas as bolas já criadas, ela foi, talvez, a mais badalada. Se isso mexe com a cabeça das pessoas, imagine com a vaidade da estrela do esporte mais popular do planeta.
Quando veio a primeira crítica, às vésperas do início da Copa do Mundo da África do Sul, elas até relevaram. Afinal, veio de um goleiro, o único jogador que usa as mãos no esporte dos pés. Elas fogem deles mesmo para um breve e glorioso repouso nas redes sempre que podem. A situação azedou de vez quando o atacante Luis Fabiano fez coro nas reclamações.
Da mesma forma como não se sabe como é capaz de se mover, ninguém explica sua forma de comunicação. Mas existe uma espécie de telepatia esférica que as une e permite premiar ou punir jogadores e times ao seu bel prazer. Esse deveria ser o destino da Seleção Brasileira na Copa de 2010. Os desaforos teriam resposta. Mesmo com uma boa dose de contragosto, afinal amam os brasileiros, não se ofereceriam aos craques da camisa verde e amarela. Pelo contrário, fariam de tudo para desviar dos gols adversários e passar o mais distante possível das luvas de Julio César. No que dependesse das bolas, o hexa já era. Então surgiu Kaká. Bastou uma entrevista na qual elogiou a Jabulani, a qual viu nascer, pedindo para que tivessem paciência para atestar seu potencial, alguns afagos em seu couro e um bejinho, ou melhor dois, para dissipar as nuvens de tempestade entre os velhos conhecidos. Ninguém percebeu, claro, mas a Jabulani se derreteu toda, um leve arrepio percorreu seu corpo redondo e suas irmãs, como sempre, sentiram tudo. No mesmo momento o rancor evaporou de seus poros. O Brasil estava salvo.
Se a Seleção de Dunga vai trazer ou não o hexa para casa é outra história, mas a maldição da Jabulani ficou no quase graças ao craque conhecido tanto pelo habilidade em vencer jogos como em atrair os olhares das mulheres. A Jabulani, que é bola e, assim sendo, é do gênero feminino, não é de ferro e também não resistiu. Sorte do País do Futebol!

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Ninguém merece!

O diálogo abaixo aconteceu antes de Ronaldo ir para o Corinthians. Antes de Kaká trocar o Milan pelo Real Madrid e antes do Dunga classificar o Brasil para a Copa do Mundo de 2010. O resto, bem, o resto até que é bem atual...

_Mãe, porque o Ronaldinho não joga mais futebol?

_Quem, o gaúcho?

_Não, mãe! O gorducho.

_Ele sofreu uma grave lesão no joelho, passou por cirurgia que leva perto de um ano para recuperar e poder voltar a chutar uma bola. Além do mais, ele sofre com problemas físicos há anos. Mas logo, logo deve estar em campo de novo. Você vai ver.

_Mas na escola falaram que ele só pensa em balada, mulher, bebida e cigarro. É verdade?

_Bom, filho. Eu leio nos jornais que ele gosta de sair à noite, mas, se a gente pensar bem, ele é um trabalhador como outro qualquer e tem o direito de se divertir às vezes, não é?

_Mas ele não é atleta?

_É, mas...

_E se ele faz tudo isso, como vai agüentar correr no treino e no jogo?

_É, mas...

_Beber e fumar não faz mal à saúde? A senhora sempre diz isso!

_Bom, é que...

_Será que ele também como muito chocolate? A tia Lúcia falou que não come doce porque engorda. E o Ronaldo está bem gordinho.

_Olha meu filho, eu acho que a gente tem que ser compreensivo com as pessoas. Ele já foi eleito três vezes o melhor do mundo e ganhou uma Copa para o Brasil. Imagina como deve ser difícil para uma pessoa acostumada a uma vida ativa não poder correr. Deixa ele comer as porcarias dele. Depois, no treino, ele emagrece.

_Mas me falaram que ele fazia tudo isso bem antes, quando jogava no Barcelona e foi eleito o melhor do mundo.

_Sei lá, acho que ele sempre gostou de diversão, você também não gosta de passar o dia brincando?

_É! Quando eu crescer, quero ser igualzinho ao Ronaldo.

_Para ser o melhor jogador do mundo, meu filho?

_Não. Para poder fazer o que eu quiser e não levar bronca. Se eu fosse o Ronaldo, podia faltar da escola amanhã cedo e ficar dormindo até mais tarde. Na hora do almoço ia comer pipoca e ao invés de ir na escolinha de futebol ia ficar jogando videogame.

_Que que é isso, rapazinho? De onde o senhor tirou essas idéias?

_Mas, mãe, o Fenômeno...

_Que Fenômeno o que?

_Mas...

_Nem mas, nem menos. E chega desse negócio de Ronaldo. Você é muito novinho pra achar que a vida é só baderna.

_Se divertir é errado?

_Chega desse assunto. Não quero mais ouvir falar em Ronaldo, em Fenômeno ou seja lá o que for que o estão chamado agora!

_Mas eu quero ser como ele quando eu crescer.

_Ah é? Mas até lá você vai tratar de estudar e ser um bom menino. Aliás, acho que você deveria querer ser outro jogador. Um que seja um bom exemplo... Vamos ver... que tal o Dunga? Isso, o Dunga! Ele sempre gostou muito de treinar e também foi campeão do mundo. Inclusive, era o capitão e levantou a taça em 1994.

_Mas, mãe, o pai me falou que o Dunga sempre foi cabeça de bagre como jogador e cabeça dura como treinador?

_Seu pai fala demais. E diz o que não deve perto de você! O Dunga compensava a falta de habilidade com muita dedicação e aplicação tática em campo.

_E o que é aplicação tática, mãe?

_É fazer em campo exatamente aquilo que o técnico mandar para o bem e da equipe como um todo.

_Mas o meu pai xingou o Dunga de burro no outro jogo da Seleção. Se o jogador fizer o que um burro manda, ele não será burro também?

_Olha, filho, vamos deixar o Dunga pra lá, junto com o Ronaldo. Vamos ver, me diz aí outros jogadores que você gosta.

_Eu gostava do Kaká, mas ele não manda muito bem.

_Só essa que me faltava. O Kaká é uma graça de rapaz e também foi eleito o melhor do mundo, como o Ronaldo. Além do mais, ele é rico, famoso, joga no Milan, na Seleção Brasileira. É casado com uma bela esposa e agora tem um filhinho. Que mais você quer?

_Eu sei que ele joga bem, mas eu não quero ser igual a ele. Não.

_E eu posso saber por que?

_Porque meu pai disse que ele também é uma besta.

_O que? Seu pai também falou mal do Kaká?

É. Ele disse que se ele tivessa o dinheiro e a fama do Kaká, ao invés de se amarrar, ia comprar uma Ferrari igual a do Cristiano Ronaldo pra pegar a mulherada. Também falou que onde já se viu dar uma parte do salário para uma igreja que os donos foram presos porque esconderam dinheiro na Bíblia.

_Eu mato o seu pai! Mas você não pode pensar só em dinheiro, filho. Imagine como seria legal jogar bem como ele, ir para o Milan e ser campeão do mundo com a Seleção Brasileira.

-Isso seria bem legal. Mas tem outra coisa que ele fez que eu não faria.

_O que o seu pai botou na sua cabeça agora?

_Não mãe, ele não me falou mais nada do Kaká. É que se me oferecessem um monte de dinheiro pra jogar no time do Robinho, eu ia correndo.

_Bem que a sua avó que diz que você me saiu melhor que a encomenda.

_Hã?

Nada, deixa pra lá. Bom, se não pode ser o Ronaldo, nem o Dunga ou o Kaká, que jogador você gostaria de ser então?

_Eu tenho um amigo novo na escola que me falou de um que foi o maior craque do universo. Ele era tão bom que ninguém ganhava do time que ele jogava, tanto que o mundo todo adorava ele. Driblava todo mundo e chagava na cara do gol pra marcar. Ele também ganhou a Copa do Mundo, mãe. Mas pena que ele não joga mais. Acho que eu gostaria de ser como ele.

_Já sei filho, o nome desse jogador é Pelé, não é?

_Não, o Esteban, o meu amigo argentino, disse ele se chama Maradona.

Chega! Acabou o futebol. Vou te colocar pra jogar vôlei!

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

TIMÃO SÓ TEM UM

_Passa a bola, Alfinete!!!!

A frase, sempre arrematada com um sonoro palavrão, estourava nos ouvidos como mais um adversário a ser driblado. E era exatamente isso que fazia. Gingava para um lado, para o outro. Fintava quem aparecesse pela frente, fosse grito, fosse gente, até chegar a linha de fundo e enfiar o pé na bola. Os cruzamentos, sempre perfeitos - claro! - nem sempre achavam um atacante digno e tanto açúcar para concluir o gol feito. Paciência. Não era culpa sua ser o único com potencial de craque naquele timeco de várzea. Por isso tanta implicância. Tanto xingo. Inveja pura!

Lateral-esquerdo do (des)Unidos do Parque Itamambópolis, time mais conhecido pelo pouco digno pseudônimo de Tranqueirão da rua do fundo, inspirava respeito nos adversários dos bairros vizinhos, na periferia paulistana quase fora dos limites da cidade. A coisa funcionava mais ou menos da seguinte forma. Se não ganhasse na bola, não perdia na porrada.

Alfinete entrava em campo todo final de semana crente de ostentar a mesma habilidade do ídolo homônimo: Carlos Alberto Dario de Oliveira, o Alfinete do Corinthians da década de 80. Ganhou o apelido do pai, homem de poucas palavras e que só reparou de verdade no filho após ver seu primeiro jogo de futebol.

O que o Alfinete do Tranqueirão da rua do fundo nem desconfiava é que o apelido veio de outro Alfinete, o lateral-esquerdo que defendeu Vasco e Olaria nas décadas de 1960 e 1970, ano em que foi campeão nacional pelo cruzmaltino. Ele jamais associou a diferença de jogar pela esquerda, enquanto o corintiano subia e descia, se revezando entre defesa e ataque pelo lado direito do campo.

Mentira afirmar que Alfinete herdou do pai a paixão pelo futebol. O que ser tornaria uma compulsão nasceu da necessidade de entrar no universo paterno. De ser notado. Ser tocado com um abraço após um jogo, qualquer migalha de carinho. Com os anos, o estrago estava feito. O futebol entrou em suas veias como um veneno, uma droga. Sem ele, sofria crises fortíssimas de abstinência. Não bastava jogar na várzea. Necessitava ver futebol. Fosse na TV, fosse ao vivo. De preferência ao vivo. Sempre o Timão.

Tão visceral quanto a relação com o Corinthians, crescia a paixão por Jéssica.

_Conheci a mina voltando de um jogo do Timão no Pacaembu. Maior love no busão – garganteava entre os amigos.

A medida que a coisa esquentava, Alfinete viu sua vida se transformar em um triângulo amoroso, com Jéssica no papel de patroa e o Corinthians como a amante. O futebolzinho no Tranqueirão até ficou meio de lado nos finais de semana, mas o eterno candidato a lateral parecia garrincha ao driblar a namorada para se esbaldar no meio da Fiel.

No início, ela fazia vista grossa, mas a situação ficou insustentável quando o dia do aniversário de 6 meses de namoro caiu justo na data de um Palmeiras x Corinthians, e ele trocou o encontro no romântico barzinho Le Chic pelo Palestra Itália

_Não dava pra deixar os irmão sozinho na casa da porcada – justificou-se, sem sucesso, óbvio.

No dia seguinte, ouviu um ou ele ou eu mais doído que um chute a queima roupa do Roberto Carlos - aquele mesmo da arrumada do meião na Copa da Alemanha, quando Henry fez o gol e mandou a gente pra casa – nos países baixos.

Pediu perdão. Implorou compreensão. Nada. Jéssica fincou pé e exigiu uma posição. Ele começou a suar frio, esfregar as mãos. Perdido como se levasse um lançamento nas costas e não tivesse pernas para alcançar o ponta. De repente, um estalo. Lembrou de Alfinete, seu ídolo no Timão, o jogador que, em seu imaginário, lhe deixara um legado de jogadas sempre brilhantes, sinônimo de eficiência na combinação ataque/defesa. A solução surgia límpida e clara. Abraçou a amada com tanta força que parecia não vê-la há anos e, antes que quebrasse uma costela da moça, sentenciou:

_Nós vamos ficar juntos. A partir de agora, você vai comigo aos jogos do Corinthians.

Domingão, logo após o almoço, o som da campainha arranhava o ar insistentemente. Quando abriu a aporta, Jéssica deu de cara com uma camisa branco e preta, listada, baby look, com o distintivo do Corinthians. Gostou do agrado, se animou e foi, feliz da vida, para o seu primeiro jogo de futebol.

A alegria, porém, durou menos que os 90 minutos do Corinthians x Mirassol, pelo Campeonato Paulista. Enquanto subiam os degraus da geral, Alfinete por pouco não rolou para baixo, atracado a um sujeito com cara de tarado que teria tentado, por assim dizer, invadir a pequena área enquanto Jéssica passava. Quando ela parou de chorar, pediu para ir ao banheiro dois minutos após o juiz apitar o início da partida. O namorado tentou explicar que tudo bem, ele a esperaria bem ali, mas quase rolou de novo da arquibancada, desta fez elgalfinhado com a amada caso não agisse como um cavalheiro. Vinte minutos depois, ida e volta ao sanitário, escorando sua princesa para não ser de novo bolinada, o jogo ainda estava 0 a 0, mas a pressão corintiana resultaria em gol a qualquer momento.

Tragédia anunciada, Alfinete não conseguiu acompanhar a partida. Nem ver os dois gols da sua equipe do coração. A cada tentativa de se concentrar na ação no gramado, ganhava um beijinho, depois um beijão. Teve que responder 18 vezes – contadas – sobre a regra do impedimento e ouviu comentários interessantíssimos sobre a combinação de cores do uniforme do Mirassol, com cores mais vivas, segundo Jéssica. Comprou água, refrigerante, amendoin, tudo que passou perto para tentar calar a boca da, aquela altura do campeonato, mocreia ao seu lado. A gota d’água caiu quando ela, sozinha, pulou para comemorar a cobrança de um escanteio. Ele chutou o balde fora do estádio.

_Cala a boca, sua #*@*. Vai pra #%@*. Putz mulher chata!

Assustada. Revoltada. Decepcionada, Jéssica reagiu instintivamente. Tascou uma bolsada no troglodita até então seu chuchuco, virou as costas e saiu pisando duro. Ganhou a rua sentindo-se a última das criaturas após tantas mãos roçando seu corpo. Jurou jamais pronunciar as palavras Alfinete, Corinthians e futebol. E assim foi. Acabou cansando, pouco mais de um ano depois, com um evangélico que preferia passar os domingos no culto.

O fatídico domingo não acabou mesmo bem para Alfinete. O Mirassol empatou o jogo nos minutos finais do segundo tempo. E esses gols ele viu.

Voltou para casa sozinho e arrasado. Bem, nem tão só. Nem tão triste. Espremido no ônibus, com a galera da Fiel, lembrou que a tabela do Paulistão cravava Ituano x Corinthians na quarta-feira e a caravana já estava armada.

Olhou pela janela e enquanto via o Pacaembu cada vez menor, lembrou de uma das máximas de todo maloqueiro e sofredor.

Mulher tem um monte. O Corinthians, esse só tem um!

domingo, 29 de novembro de 2009

O que é Fishpod? É Tocatamento!
E o que é Tocatamento? É Fishpod!
Tocatamento e Fishpod são palavras saídas da cabeça de um cara muito legal, a quem tenho a honra de conhecer desde o nascimento. Ele as cunhou aos 3, 4 ou 5 anos. Não consigo precisar o tempo, esse nunca foi um dos meus fortes. Importa é que Fishpod e Tocamento são palavras que podem representar o que quisermos. São fruto da imaginação latente e podem se transformar em qualquer coisa. E se tornar coisa qualquer.
Por isso esse espaço metido a besta tem esse nome. Criar. Modelar. Transformar. Materializar ideias em palavras.