terça-feira, 1 de dezembro de 2009

TIMÃO SÓ TEM UM

_Passa a bola, Alfinete!!!!

A frase, sempre arrematada com um sonoro palavrão, estourava nos ouvidos como mais um adversário a ser driblado. E era exatamente isso que fazia. Gingava para um lado, para o outro. Fintava quem aparecesse pela frente, fosse grito, fosse gente, até chegar a linha de fundo e enfiar o pé na bola. Os cruzamentos, sempre perfeitos - claro! - nem sempre achavam um atacante digno e tanto açúcar para concluir o gol feito. Paciência. Não era culpa sua ser o único com potencial de craque naquele timeco de várzea. Por isso tanta implicância. Tanto xingo. Inveja pura!

Lateral-esquerdo do (des)Unidos do Parque Itamambópolis, time mais conhecido pelo pouco digno pseudônimo de Tranqueirão da rua do fundo, inspirava respeito nos adversários dos bairros vizinhos, na periferia paulistana quase fora dos limites da cidade. A coisa funcionava mais ou menos da seguinte forma. Se não ganhasse na bola, não perdia na porrada.

Alfinete entrava em campo todo final de semana crente de ostentar a mesma habilidade do ídolo homônimo: Carlos Alberto Dario de Oliveira, o Alfinete do Corinthians da década de 80. Ganhou o apelido do pai, homem de poucas palavras e que só reparou de verdade no filho após ver seu primeiro jogo de futebol.

O que o Alfinete do Tranqueirão da rua do fundo nem desconfiava é que o apelido veio de outro Alfinete, o lateral-esquerdo que defendeu Vasco e Olaria nas décadas de 1960 e 1970, ano em que foi campeão nacional pelo cruzmaltino. Ele jamais associou a diferença de jogar pela esquerda, enquanto o corintiano subia e descia, se revezando entre defesa e ataque pelo lado direito do campo.

Mentira afirmar que Alfinete herdou do pai a paixão pelo futebol. O que ser tornaria uma compulsão nasceu da necessidade de entrar no universo paterno. De ser notado. Ser tocado com um abraço após um jogo, qualquer migalha de carinho. Com os anos, o estrago estava feito. O futebol entrou em suas veias como um veneno, uma droga. Sem ele, sofria crises fortíssimas de abstinência. Não bastava jogar na várzea. Necessitava ver futebol. Fosse na TV, fosse ao vivo. De preferência ao vivo. Sempre o Timão.

Tão visceral quanto a relação com o Corinthians, crescia a paixão por Jéssica.

_Conheci a mina voltando de um jogo do Timão no Pacaembu. Maior love no busão – garganteava entre os amigos.

A medida que a coisa esquentava, Alfinete viu sua vida se transformar em um triângulo amoroso, com Jéssica no papel de patroa e o Corinthians como a amante. O futebolzinho no Tranqueirão até ficou meio de lado nos finais de semana, mas o eterno candidato a lateral parecia garrincha ao driblar a namorada para se esbaldar no meio da Fiel.

No início, ela fazia vista grossa, mas a situação ficou insustentável quando o dia do aniversário de 6 meses de namoro caiu justo na data de um Palmeiras x Corinthians, e ele trocou o encontro no romântico barzinho Le Chic pelo Palestra Itália

_Não dava pra deixar os irmão sozinho na casa da porcada – justificou-se, sem sucesso, óbvio.

No dia seguinte, ouviu um ou ele ou eu mais doído que um chute a queima roupa do Roberto Carlos - aquele mesmo da arrumada do meião na Copa da Alemanha, quando Henry fez o gol e mandou a gente pra casa – nos países baixos.

Pediu perdão. Implorou compreensão. Nada. Jéssica fincou pé e exigiu uma posição. Ele começou a suar frio, esfregar as mãos. Perdido como se levasse um lançamento nas costas e não tivesse pernas para alcançar o ponta. De repente, um estalo. Lembrou de Alfinete, seu ídolo no Timão, o jogador que, em seu imaginário, lhe deixara um legado de jogadas sempre brilhantes, sinônimo de eficiência na combinação ataque/defesa. A solução surgia límpida e clara. Abraçou a amada com tanta força que parecia não vê-la há anos e, antes que quebrasse uma costela da moça, sentenciou:

_Nós vamos ficar juntos. A partir de agora, você vai comigo aos jogos do Corinthians.

Domingão, logo após o almoço, o som da campainha arranhava o ar insistentemente. Quando abriu a aporta, Jéssica deu de cara com uma camisa branco e preta, listada, baby look, com o distintivo do Corinthians. Gostou do agrado, se animou e foi, feliz da vida, para o seu primeiro jogo de futebol.

A alegria, porém, durou menos que os 90 minutos do Corinthians x Mirassol, pelo Campeonato Paulista. Enquanto subiam os degraus da geral, Alfinete por pouco não rolou para baixo, atracado a um sujeito com cara de tarado que teria tentado, por assim dizer, invadir a pequena área enquanto Jéssica passava. Quando ela parou de chorar, pediu para ir ao banheiro dois minutos após o juiz apitar o início da partida. O namorado tentou explicar que tudo bem, ele a esperaria bem ali, mas quase rolou de novo da arquibancada, desta fez elgalfinhado com a amada caso não agisse como um cavalheiro. Vinte minutos depois, ida e volta ao sanitário, escorando sua princesa para não ser de novo bolinada, o jogo ainda estava 0 a 0, mas a pressão corintiana resultaria em gol a qualquer momento.

Tragédia anunciada, Alfinete não conseguiu acompanhar a partida. Nem ver os dois gols da sua equipe do coração. A cada tentativa de se concentrar na ação no gramado, ganhava um beijinho, depois um beijão. Teve que responder 18 vezes – contadas – sobre a regra do impedimento e ouviu comentários interessantíssimos sobre a combinação de cores do uniforme do Mirassol, com cores mais vivas, segundo Jéssica. Comprou água, refrigerante, amendoin, tudo que passou perto para tentar calar a boca da, aquela altura do campeonato, mocreia ao seu lado. A gota d’água caiu quando ela, sozinha, pulou para comemorar a cobrança de um escanteio. Ele chutou o balde fora do estádio.

_Cala a boca, sua #*@*. Vai pra #%@*. Putz mulher chata!

Assustada. Revoltada. Decepcionada, Jéssica reagiu instintivamente. Tascou uma bolsada no troglodita até então seu chuchuco, virou as costas e saiu pisando duro. Ganhou a rua sentindo-se a última das criaturas após tantas mãos roçando seu corpo. Jurou jamais pronunciar as palavras Alfinete, Corinthians e futebol. E assim foi. Acabou cansando, pouco mais de um ano depois, com um evangélico que preferia passar os domingos no culto.

O fatídico domingo não acabou mesmo bem para Alfinete. O Mirassol empatou o jogo nos minutos finais do segundo tempo. E esses gols ele viu.

Voltou para casa sozinho e arrasado. Bem, nem tão só. Nem tão triste. Espremido no ônibus, com a galera da Fiel, lembrou que a tabela do Paulistão cravava Ituano x Corinthians na quarta-feira e a caravana já estava armada.

Olhou pela janela e enquanto via o Pacaembu cada vez menor, lembrou de uma das máximas de todo maloqueiro e sofredor.

Mulher tem um monte. O Corinthians, esse só tem um!

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