segunda-feira, 2 de maio de 2011

Era uma vez...

A pequena e delicada mão agitava a fina colher em furiosos movimentos circulares. O barulho ritimado da prata em contato com a fina porcelana branca da xícara de asa dourada profanava o silêncio, solene e vazio, do luxuoso salão entulhado de quinquilharias brilhantes e douradas.
O contato do açúcar com o chá fumegante exalou um aroma um tanto enjoativo de jasmim. A jovem, coroa na cabeça e pele muito branca, seguia seu mecânico ritual, absorta em pensamentos e mágoas. Ignorando a íntima plateia, resmungava:

_Não gostei. Não gostei e não gostei! Quem essa lambisgóia pensa que é? Princesa não é. Nunca será! Não de verdade. Não como nós – só então ergueu os olhos, lembrando-se onde estava.

À mesa, as três jovens senhoras, finamente vestidas e igualmente de cabeças ornamentadas por coroas, dividiam a atenção entre o chilique contido daquela criatura alva feito e um fantasma e o espelho centralizado na parede.

_Mas essa imagem está uma porcaria. Ô Bruxa Malvada, largue de fofocar com Madrasta e a Malévola e vem aqui ajustar a sintonia desta velharia - disse a branca, entre mandona e aborrecida.

_Falei para comprar uma TV LED Full HD, mas ninguém me escuta nessa biboca - interrompeu a outra, a quinta pessoa na sala. Longe das quatro princesas, à mesa para o chá da tarde, se acomodava num canto menos iluminado da sala e se entretia com palavras cruzadas.

Pisando duro, a bruxa Malvada, sem escolha senão obedecer, irrompeu da cozinha sem tirar o avental roto e sujo. Passou pelas mulheres pomposamente sentadas sem virar o pescoço, como se não estivessem lá. Ao se aproximar do espelho, velho companheiro de dias melhores (ou seriam piores?), lascou um tapa, daqueles dados em TV velha e com Bombril na antena, para acabar com os chuviscos de estática. Sequer olhou para checar o resultado. Girou nos calcanhares e voltou para a ala dos criados amaldiçoando o dia em que retiraram o naco e maça envenenada daquela branquela metidinha a poliana.

_Dá para tentar outro canal pelo menos?, berrou Branca de Neve, sem obter resposta.
Cinderala e sua eterna mania de limpeza reparava mais na poeira dos móveis que na imagem do espelho quando Rapunzel a cutucou.

_Vamos começar logo!

A ex-Gata Borralheira tirou o pomposo livro de seu descanso, abriu, sacou a pena e inqueriu Branca de Neve com um olhar.

_Muito bem. Declaro aberta mais uma reunião do Clube das Princesas Encantadas. Data: 29 de abril de 2011. Assunto: Admissão de Catherine Middleton...

_Ei, pare com essa frescura, é Kate e pronto, ralhou a outra, sem levantar os olhos das palavras cruzadas.

_Calada, não interrompa a presidente no meio de um ato solene! Eu devia estar de pileque quando aprovei essa aí como sócia - resmungou Branca - Bem, continuando. Assunto: Admissão de Catherine Middleton no quadro de associados. Veredito: negado. Ponto, mais chá menin...

Sequer terminou a frase e os protestos das outras três soaram mais impiedosos que a última das doze badaladas que ainda visitaram os pesadelos de Cinderela. Bela Adormecida não se segurou. Deu um soco na mesa e explodiu:
Escuta aqui, seu projeto de mal acabado de miss conto de fadas 1937. Eu não durmo há décadas, estou de saco cheio e na TPM, nem me venha com essa. Aqui não é a cabana dos sete anões e a senhora não manda. Vamos votar!

_Eu avisei para ela não ficar cheirando aquele negócio branco. Avisei que ela ia ficar ligadona, mas ela disse que queria tirar o atraso depois de tanto tempo dormindo... olha no que deu - cochichou Rapunzel para Cinderela.

_Vaca cabeluda! Cala essa tua boca senão eu vou cortar a sua língua junto com esse seu cabelão ensebado - vociferou a agora não tão bela, muito menos adormecida.
Rapunzel afundou na poltrona de veludo vermelho e, no momento em que Cinderela soltava um grito de CHEEEGAAA!!!!, Malévola, transmutada em dragão, irrompeu sala adentro baforando uma fumaça pestilenta e, falando entre uma fungada e outra, amaçou:

_Se as princesinhas não acabarem logo com essa baixaria, vamos servir churrasquinho de mocreia no espeto.

Falou, voltou à forma humana e resmungou baixinho com as colegas na cozinha, não basta todas nós termos que ficar de empregadinha dessas patricinhas, ainda temos que aguentar esse tipo de barraco.
A outra, imóvel em sua cadeira de madeira sem estofado, pés apoiados em um puff, ergueu os olhos do jornal. Não estava conseguindo se concentrar com tanto barulho.

_Falta muito pra servir o rango e a gente se mandar?
Ninguém respondeu.

Sem alternativa, Branca de Neve soltou um suspiro e abriu a votação. E para sua profunda frustração, deu empate. Ela e Cinderela votaram contra a recém empossada esposa do principezinho britânico. Rapunzel e Bela Adormecida votaram a favor, e a última fez isso apenas para ser do contra.
O estatuto do Clube das Princesas Encantadas, lembrou a presidente, exigia defesa de ambas as partes até que um veredito prevalecesse. Branca, querendo parecer magnânima e benevolente, cedeu a vez, que lhe cabia por direito como presidente. Rapunzel, então, tomou a palavra.

_Acredito que Kate...

_ Catherine - interveio a chefe – vamos manter o protocolo, por favor.

_Tá bom, tá bom! Catherine – disse o nome reforçando cada sílaba - deve ser admitida como uma Encantada porque é tudo que uma princesa deve ser: linda, meiga, graciosa, elegante, discreta. Ah, ela é uma gracinha e casou com um belo príncipe. Convenhamos, gostosão esse William.

_Gostosão agora, né? Passa lá no meu castelo e dá uma olhada no pançudo peidorreiro do meu marido. Felizes para sempre uma ova! Nem em conto de fadas esses trastes prestam. Chegam em um cavalo branco, enganam a gente com um beijinho e aí já foi, o resto da vida nessa merd... - Bela Adormecida se conteve, afinal, uma dama é sempre uma dama. Quem ainda acredita nesse tipo de besteira? – pensou quase em voz alta.

_Ei, de que lado você está? – questiounou Rapunzel.

_Argumentos expostos, aliás, bem fraquinhos, vamos aos fatos – disse Cinderala ao se levantar e pedir licença à Branca de Neve para tomar a palavra – Essa garotinha não merece entrar para o nosso diletíssimo clube porque, primeiro, é uma plebéia, segundo, é uma fabricação da mídia...

Rapunzel espumou.

_Parece que, se não me engano, a senhora só casou com um príncipe porque tinha uma fada madrinha, um pé tamanho 33 e, halooo!, Todas nós somos fabricadas pela mídia. Aliás, o seu desenho não entrou em cartaz em 1950, está encalhado no DVD e nem saiu em Blu-Ray ainda?

Fim do diálogo. Cinderela agarrou os cabelos de Rapunzel para tentar um estrangulamento capilar. Bela Adormedica, com sangue nos olhos, arrancou o espelho mágico da parede, ainda refletindo as imagens do casamento na Inglaterra, segundos antes do esperado beijo dos noivos, e quebrou na cabeça da Branca de Neve. Vários, socos, pontapés e vestidos rasgados depois, estavam as quatro no chão, exaustas.

_Puxa, não me lembro de um bafafá assim desde que a Paris Hilton enviou uma ficha de filiação – disse a madrasta com um sorriso malicioso, compartilhado por suas colegas, todas intimamente relembrando os bons e velhos tempos de maldades.

Em meio a sala parcialmente destruída, agora imunda com restos de salgadinhos e pedaços de bolo misturados a candelabros e bibelôs, começaram a se levantar, ajeitar as roupas, cabelos e coroas, além de arrumar as cadeiras para retomaram seus lugares.

_Veredito? – perguntou a presidente, como se absolutamente nada tivesse ocorrido.
Ninguém separou os lábios.

No canto menos iluminado da sala, um vulto se levanta. Enorme em relação as outras quatro mirradas figuras, suspira, roda a maçaneta com as mãos enormes e se vai com um fui.

_Fiona!!!!! Gritam em uníssono.
Tarde demais.

Branca de Neve se contorce em uma careta e, vermelha como a maça enfeitiçada, lamenta.

_Putz, ela poderia ter sido o Voto de Minerva – em seguida dá de ombros e abre um sorriso – Mais chá, queridas?